ESSE TEXTO É UMA CONTRIBUIÇÃO DE UM AMIGO HISTORIADOR E ESTUDANTE DE DIREITO, MARCO AURELIO ROCHA, QUE TRABALHA NA SEMURB E TEM CONTRIBUIDO MUITO PARA AS DISCUSSÕES URBANAS NA CIDADE.
Camila Bottaro Sales
Marco Aurélio Rocha
Resumo: A Constituição Brasileira de 1988 consagrou princípios fundamentais para a compreensão das novas limitações impostas à propriedade urbana como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade e, sobretudo, a função social da propriedade. Objetivamos demonstrar que existem várias restrições à propriedade, de caráter privado e público. Entretanto, trabalharemos de forma mais sistematizada a concessão de uso especial para fins moradia, direito real instituído pela Lei nº 11.481/07 que limita a propriedade imóvel pública com escopo de concretizar direito social à moradia, previsto no artigo 6ª, caput da CR/88. No âmbito prático, estudaremos a situação do bairro Padre Adelmo na cidade de Itabirito, a fim de analisarmos a aplicabilidade deste novo direito real social.
Palavras-chave: Limitações. Propriedade. Direito à moradia. Dignidade da pessoa humana. Concessão de uso especial para fins de moradia. Bairro Padre Adelmo.
1- Introdução:
Analisar os direitos reais sociais face o fenômeno da constitucionalização do direito civil, implica necessariamente um estudo acerca dos princípios constitucionais que norteiam o tema, a fim de fazermos uma releitura da concessão de uso especial para fins de moradia e da sua aplicabilidade no Estado Democrático de Direito.
O Estado Democrático de Direito também denominado de Estado pós-moderno é caracterizado dentre outros fatores por uma sociedade “pluralista, complexa, marcada pela revolução técnica, pela mundialização da economia e pela massificação dos meios de comunicação” (AMARAL, 2003, p. 63). Tudo isso, gerou o que alguns autores chamaram de crise dos institutos privatistas: contrato, família e propriedade. Isto porque a legislação com espírito codificador já não era mais suficiente para regular os anseios da sociedade pós-moderna.
Assim, quebram-se os velhos modelos típicos das sociedades liberais e criam-se novos paradigmas com enfoque diferenciado com relação aos institutos do direito civil, cujo objetivo é tutelar a dignidade da pessoa humana consagrada na Constituição da República de 1988 (CR) que a coloca como ponto central do todo o ordenamento jurídico.
A superação dos paradigmas da modernidade foi marcada pela passagem do individualismo ao solidarismo (AMARAL, 2003). Assim, houve uma maior intervenção do Estado nas relações sociais, com objetivo precípuo de resguardar interesses da coletividade. Isto se fez presente, sobretudo, no direito de propriedade.
A Constituição da República de 1988 ao retratar estas mudanças paradigmáticas trouxe inúmeras restrições ao direito de propriedade que vieram seguidas de normas infraconstitucionais, como por exemplo, o artigo 1228, §1º do Código Civil que traz algumas limitações ao direito de propriedade não previstas no Código Civil de 1916, mas já regulamentadas na Constituição com objetivo de concretizar a função social e econômica da propriedade privada. Conforme Gustavo Tepedino (2006, p. 220) nos ensina, a partir do momento que a Constituição da República de 1988 concretiza as situações jurídicas patrimoniais – como as que envolvem a propriedade – às situações jurídicas existenciais (dignidade humana, justiça social, solidariedade, cidadania e igualdade) “busca-se o significado funcional dos institutos do direito civil”.
As limitações ao direito de propriedade criadas pelo Estado são hoje, reconstruídas sob os novos paradigmas da pós-modernidade, ou seja, se antes limitava-se a propriedade com intuito de resguardar interesse privados e econômicos, hoje as limitações impõe-se em detrimento de um interesse público e social frente as novas interpretações trazidas pela Constituição da República.
Nas palavras do professor Adriano Stanley Rocha Souza (2007, p. 222): “Podemos dizer que, hoje, o direito real deixa o lugar do Direito que pode tudo e passa para o lugar do Direito que pode ser privado de tudo, sempre para atender aos novos princípios constitucionais”.
Como reflexo deste processo da humanização dos direitos reais, podemos citar a recente lei nº 11.481 promulgada no dia 31 de maio de 2007 que criou novos direitos reais no contexto dos paradigmas do Estado Democrático de Direito. Esta lei acrescentou ao rol taxativo do artigo 1.225 do Código Civil dois novos direitos reais: concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso sobre imóveis de propriedade do Poder Público.
À medida que a Constituição garante no artigo 6º que o direito à moradia é um direito social, faz-se necessário operacionalizar este direito. A concessão de uso especial para fins de moradia está prevista no artigo 183, §1º da Constituição. Assim, o objetivo precípuo da lei nº 11.481 de 2007 é garantir o direito social à moradia prevendo como direito real a concessão de uso especial para fins de moradia; ainda para isso, tal direito recaia sobre áreas de propriedade da União.
Desta forma, nos resta analisar como, após a sistematização deste novo direito real, este vem sendo aplicado e estudado na prática, em especial no bairro Padre Adelmo na cidade de Itabirito no Estado de Minas Gerais.
02. Concessão de uso especial para fins de moradia
Ao iniciarmos o estudo das principais características dos Direitos Reais, analisamos, dentre outras, a característica da tipicidade ou o princípio dos numerus clausus. Sendo assim, concluímos pela taxatividade do artigo 1.225 do Código Civil, ou seja, somente ao Poder Legislativo cabe a criação de novos direitos reais e sua regulamentação. Não cabe ao particular tal prerrogativa.
Neste sentido e atendendo a este princípio é que a lei 11.481 de 31 de maio de 2007, que prevê medidas voltadas aos interesses sociais, no seu artigo 10 acrescentou dois novos incisos no artigo 1225 do Código Civil que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1225. São direitos reais:
XI- a concessão de uso especial para fins de moradia
XII- a concessão de direito real de uso
2.1 Conceito e requisitos:
Como reflexo dos novos paradigmas do Direito Civil que passou a ser interpretado à luz da Constituição da República de 1988- fenômeno conhecido como constitucionalização do Direito Civil- a lei 11.481 vem concretizar princípios como o da dignidade humana, da função social da propriedade e da solidariedade operacionalizando o direito à moradia previsto no artigo 6º da CR/88.
Podemos dizer que a concessão de uso especial para fins de moradia é um direito real social instituído por ato administrativo (concessão) que possui o objetivo específico de conceder moradia sobre as áreas de propriedade pública, preenchido os requisitos da Medida Provisória 2220/01, que passaremos a analisá-los agora:
A MP 2220/01 regulamenta a concessão de uso que trata o artigo 183, §1º da CR/88. Vale ainda ressaltar, que a lei 11.481 trouxe para o nosso ordenamento jurídico a concessão de uso especial para fins de moradia, mas seus requisitos são encontrados ainda na MP por determinação da própria lei: “A concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se às áreas de propriedade da União, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos, e será conferida aos possuidores ou ocupantes que preencham os requisitos legais estabelecidos na Medida Provisória nº 2220, de 04 de setembro de 2001”.
Os requisitos se assemelham aos da usucapião constitucional, mas são institutos distintos. De acordo com o artigo 1º da MP, tem direito à concessão de uso especial para fins de moradia:
1º) Aquele que até 30 de junho de 2001 possuiu por 05 anos imóvel público da União (inclusive da marinha) de até 250 metros em área urbana de forma ininterrupta e contínua.
2º ) A fim de garantir o direito à moradia, esta nova modalidade de direitos reais somente se aplica se a finalidade do uso é para moradia da pessoa ou de sua família, de forma gratuita.
3º) O concessionário não poderá ser proprietário de outro imóvel, seja ele urbano ou rural. Conforme determina a MP, este direito será reconhecido uma única vez.
2.2 Características:
A MP ainda prevê que a concessão de uso especial para fins de moradia pode ser transmitida inter vivos ou causa mortis. Pode o herdeiro legítimo continuar na posse do seu antecessor, desde que, da abertura da sucessão já cumpra o requisito de habitação no imóvel.
O novo direito real poderá ser concedido ao homem e a mulher, independente do estado civil e, como já dito, uma única vez.
Interessante analisarmos que o Poder Público poderá garantir a concessão de uso especial para fins de moradia em local diferente daquele onde a posse foi exercida, caso esta área acarrete risco à vida ou à saúde dos ocupantes ou tratar-se de área de uso comum do povo, destinada a projeto de urbanização, de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais, e ainda, aqueles locais reservados à construção de represas e obras congêneres ou situado em via de comunicação.
2.3 Modalidades:
Podemos dizer que a MP trouxe duas formas especiais deste novo direito real. Seria a concessão “coletiva” de uso especial para fins de moradia e a concessão de uso especial para fins comerciais.
No primeiro caso, preenchido os requisitos analisados acima, poderá o Poder Público conceder o uso para fins de moradia de forma coletiva, desde que os concessionários sejam pessoas de baixa renda, ocupem área superior a 250 metros, podendo ainda somar suas posses com as posses dos antecessores.
Neste caso, cada concessionário receberá uma fração ideal do terreno, podendo acordar frações diferentes. Contudo, cada possuidor não poderá receber uma fração superior a 250 metros.
Com relação à segunda forma especial, a MP determina que o Poder Público competente, preenchidos os requisitos legais, poderá conceder o uso para aqueles que possuírem área até 250 metros cuja finalidade seja comercial. Aplicam-se, neste caso, as demais características analisadas: gratuidade e acessão.
2.4 Procedimento:
Primeiramente, a concessão de uso especial para fins de moradia será obtida através do ato da Administração Pública que concede direitos e poderes ao particular denominado concessão.
O pedido deverá ser instruído com a certidão do Poder Público informando a localização do imóvel em área urbana, bem como o objetivo determinado de moradia do requerente ou de sua família.
A administração pública deverá decidir em até 12 meses sobre o requerimento, e, na ocorrência de omissão, poderá o ocupante pleitear judicialmente, caso em que a concessão será declarada pelo juiz mediante sentença declaratória.
Seja pela via administrativa ou judicial, o título deverá ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis, conforme determina o artigo 167, I, 37 da lei nº 6.015/73- Lei de Registro Público.
2.5 Extinção:
A MP relaciona duas formas de extinção da concessão de uso especial para fins de moradia:
a) Quando houver mudança da finalidade especificada na lei, ou seja, quando o concessionário ou sua família utilizar o imóvel com o objetivo diverso da moradia.
b) Se o concessionário tornar-se proprietário ou constituir nova concessão de imóvel urbano ou rural.
03. Concessão de uso especial para fins de moradia e o Estatuto da Cidade
A concessão de direito real é instrumento conferido pelo Poder Público para disponibilizar a terceiros bens públicos imóveis visando o seu aproveitamento e viabilizando políticas públicas e locais de urbanização.
Neste contrato bilateral, firmado entre administração pública e o particular, podemos vislumbrar o cumprimento de pelo menos dois princípios fundamentais expressos na Constituição Federal de 1988, o direito a moradia e o respeito à função social da propriedade.
A Constituição da República Brasileira trouxe dispositivos legais que regulamentam a política urbana que deverá reger o país neste novo período democrático. Assim, delega ao poder público municipal o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes através de diretrizes fixadas em lei.
Após o nascimento desta nova luz constitucional, surge o Estatuto das Cidades, (Lei 10257/01) e os Planos Diretores que representam um grande avanço para a política urbana, com uma concepção de planejamento e a adoção de instrumentos para que a propriedade cumpra a sua função social, criando condições para a construção de um pacto social para o desenvolvimento urbano.
Para entendermos bem os espaços urbanos estudados, o Estatuto das Cidades busca viabilizar a regularização fundiária urbana disponibilizando instrumentos que constam nos Planos Diretores Municipais, como instituição de zonas especiais de interesse social – ZEIS, concessão de direito real de uso (individual e coletiva), concessão de uso especial para fins de moradia, (individual ou coletiva), usucapião de imóvel urbano (individual ou coletiva) e direito de superfície.
As ZEIS são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, onde possibilita-se a urbanização e a regularização fundiária. Essas zonas podem incidir em terrenos vazios, localizados preferencialmente em setores urbanos com infra-estrutura instaladas e próximas aos locais com oferta de emprego e equipamentos públicos.
Contudo, há que ressaltar a falta de capacidade do Estado enquanto formulador e gestor de destas políticas públicas para a construção de um pacto federativo e a efetivação de um plano nacional de desenvolvimento urbano, com a participação democrática na busca pela superação da histórica desigualdade social e alcance um desenvolvimento urbano com igualdade social, cultural, política e econômica.
04. Os aspectos sociais da concessão no bairro Padre Adelmo na cidade de Itabirito
A região analisada neste estudo foi criada no inicio da década de 90, três anos após a promulgação da CR/88.
Trata-se de um loteamento público, criado com o objetivo de promover o acesso à população de baixa renda a casa própria, conforme relatórios executados pela Secretaria de Assistência Social do Município de Itabirito.
Após a promulgação da lei do Plano Diretor Municipal de Itabirito, (lei 2.464 de 14 de dezembro de 2005), o loteamento foi caracterizado devido as suas peculiaridades e que motivou o estudo em ZEIS.
A princípio podemos destacar a escolha do terreno montanhoso, com declividade acentuada, como observam diversos urbanistas, em terreno sem nenhuma vocação para um assentamento. O tipo do solo, argiloso, também não contribui para a edificação e é extremamente suscetível a criação de voçorocas. Tudo isso aliado a uma população de baixa renda, que tem como principal fonte de renda a ajuda estatal; o que acaba por criar fatores de riscos tanto urbanos, como ambientais. (OSCIP Eco-Organização para a Educação e Extensão da Cidadania e Fundação IBI Tecnologia Alternativa, 2005.)
A violência urbana é um outro problema enfrentado na região, em razão da ausência de investimento estatal.
Na análise feita pela Prefeitura de Itabirito, junto a OSCIP Eco-Organização para a Educação e Extensão da Cidadania e Fundação IBI Tecnologia Alternativa, concluiu-se que há um problema com relação à segurança na região, principalmente no período noturno, quando a maioria dos adolescentes estudam e chegam do trabalho.
Neste período há um medo generalizado entre os moradores. A falta de policiamento contribui para tal fato.
A falta de investimento e de condições mínimas de renda, aliadas a ausência de lazer, esportes e atividades coletivas contribuem para o quadro de criminalidade acentuada da região.
Como observa Paulo Rangel:
Crime e pobreza não são lados da mesma moeda, como normalmente se diz. Afinal é cediço por todos no âmbito da Sociologia que correlacionar pobreza com crime é não só politicamente incorreto como fantasmagórico, pois todos os fantasmas que tem marcas da pobreza e as mãos criminosas parecem possuir um traço em comum: a revolta. Não é exatamente a pobreza que leva ao crime, mas pode ser a revolta? (RANGEL, 2008. pág. 27).
A população de baixa renda só tem possibilidade de ocupar terras periféricas – muitos mais baratas porque em geral não tem qualquer infraestrutura – e construir aos poucos suas casas. Ou ainda ocupar áreas ambientalmente frágeis, que teoricamente só poderiam ser urbanizadas sob condições muito mais rigorosas e adotando soluções mais dispendiosas, exatamente o inverso do que ocorre na realidade.
Em uma cidade dividida entre a porção legal, rica e com infra-estrutura e a ilegal pobre e precária, a população que está em situação desfavorável tem pouco acesso às oportunidades de trabalho, cultura ou lazer.
Este modelo de crescimento e expansão urbana, que atravessa cidades de norte a sul do país, tem sido identificado, ou senso comum, como “falta de planejamento”. Segundo esta acepção, as cidades não são planejadas e, por esta razão, são “desequilibradas” e “caóticas”. Entretanto, trata-se não da ausência de planejamento, mas sim de uma interação bastante perversa entre processo sócio-econômico, opções de planejamento e de políticas urbanas e práticas políticas, que construíram um modelo excludente em que muitos perdem e pouquíssimos ganham.
Como exemplo, citamos o jovem fora da escola. Sem acesso a uma profissão digna, desconhecedor de um esporte que o estimule a viver com saúde e, conseqüentemente, sem esperança de um futuro melhor, não pode agora ter como resposta do Estado o aumento das penas dos crimes hediondos, como se os crimes de evasão de divisas, corrupção, colarinho-branco, sonegação fiscal (e este esta na mídia demonstrando quanto que se roubou dos cofres públicos) não fossem hediondos pela natureza e não pela lei.
A falta de oportunidades a esses jovens é criadora de um vácuo propiciador de uma revolta que pode trazer como conseqüência o ingresso no mundo do crime.
Diante de todos estes problemas, nos resta questionar qual a relação direta entre todas estas problemáticas e a regularização da posse? Observa-se:
• As pessoas precisam se sentir seguras de suas condições de posse para começar a investir no melhoramento de sua casa/negócio.
• A segurança de posse e acesso ao crédito podem apenas ser providos por meio da legalização da ocupação/negócio informal.
• O modo de se proceder a legalização é garantir a posse individual de títulos .
Seguindo essas premissas, analisamos a situação do loteamento, conforme dados de pesquisa. Observamos que 95% das casas não possuem reboco externo, o que denota uma aparência de casa inacabada. Cerca de 70% possuem rede de esgoto a céu aberto jogados diretamente nas vias públicas.
Em termos de documentação, como se trata de uma área pública ocorreu a desafetação e o terreno foi desincorporado de bem público municipal, de uso comum do povo, e transferido para categoria de patrimônio disponível do município.
As áreas foram doadas em Termo Administrativo de Ocupação de Imóvel Público Municipal (concessão de direito real de uso), porém não foram lavradas as escrituras particulares, conforme previsto em lei.
O prazo da outorga, que deveria ser registrada em cartório em livro próprio é de 100 anos.
O número atual de lotes no local são 459 conforme o mapa atual, 55 lotes estão vagos, 404 são residências ou construções.
Podemos observar que há uma resistência à ocupação formal do loteamento devido ao grande número de residências ainda inacabadas. Há uma insegurança quanto ao futuro. A maioria dos moradores investem numa residência precária, insalubre, sem ventilação e iluminação natural adequada.
Podemos concluir que a criminalidade não é somente fruto da desigualdade econômica, mas também de políticas públicas mal planejadas e que sustentam um crescimento desordenado e sem a infra-estrutura adequada para os níveis de urbanização da cidade.
A ociosidade dos jovens, sem perspectivas de lazer ou educação, aliada a uma renda abaixo da média cria a oportunidade ideal para a entrada no mundo do crime.
Como analisamos no caso do loteamento do bairro Padre Adelmo, a grande incidência de crimes contra a pessoa reflete uma clara realidade: os crimes cometidos na região são motivados pela falta de investimentos públicos o que gera a revolta da população contra todo aquele que se sobressai ou contra aquele que, dentro da própria comunidade não se alia aos interesses desta e busca outras oportunidades.
A falta de áreas para lazer, educação, cultura, assistência social aliados a políticas publicas equivocadas e mal direcionadas cria o ambiente perfeito para a marginalização e discriminação do individuo que se vê dividido em dois mundos distintos, o da cidade legal e o da ilegal.
O sentimento do cidadão, principalmente do morador da região do bairro Padre Adelmo, que recebe o título de concessão, mas que não se considera proprietário reflete em construções inacabadas, multifamiliares e improvisadas que se espalhando pelo território concedido, uma clara tentativa de se apegar a posse.
Existe também o sentimento de que tudo, inclusive os deveres de proteção do particular deveriam ser realizados pelo poder público, que se omite em suas tarefas coletivas, entregando apenas o direito a terra e negando ao cidadão o acesso a educação, cultura e lazer, direitos garantidos na Constituição.
Podemos por fim considerar que por serem pessoas de baixa renda, em áreas de interesse social ou favelizadas, esta estrutura inacabada e improvisada já faria parte da paisagem urbana da região. Até mesmo em áreas planejadas onde se desenvolveu a concessão do solo público há o sentimento de carência, de desamparo e falta de segurança da posse do solo.
05. Considerações finais
Vários anos de ocupações desordenadas e irregulares em áreas públicas tornaram-se um grande problema no cenário nacional. A realidade brasileira retrata que o crescimento populacional, o problema da urbanização e a falta de compromisso com o desenvolvimento sustentável levou ao limite o caos provocado pela escassez habitacional no Brasil, propiciando ocupações irregulares em áreas públicas, de risco ou de preservação ambiental.
A postura adotada pela ordem jurídica pátria, juntamente com as políticas públicas implantadas, repercutiu num direito há muito estudado pelos diversos ramos da ciência: a moradia.
O direito à moradia ganhou status de direito social com a Emenda Constitucional nº 26 de 2000 e passou a ser garantida pela Constituição da República no caput do artigo 6º.
A fim de operacionalizar esse direito, diversas leis foram promulgadas ao longo dos anos. Outras medidas foram tomadas pelos agentes públicos que limitaram o uso do bem, abarcando inclusive a propriedade pública. Nesse sentido, foi promulgada a Lei nº 11.481/07, que elevou a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso a direitos reais elencados no Código Civil.
São direitos reais instituídos nos imóveis públicos, preenchidos determinados requisitos, que garantem a população de baixa renda o acesso à moradia ou aos demais direitos sociais, a titulação de concessionário e a possibilidade de ter acesso ao crédito, uma vez que a concessão pode ser objeto de hipoteca.
Contudo, falar em garantia de acesso à moradia significa não apenas ter uma casa, mas também acesso a transporte, saúde, educação enfim, todas as necessidades básicas dos ocupantes de determinada região.
Todos estes problemas foram evidenciados no bairro Padre Adelmo na cidade de Itabirito. O título de concessão foi reconhecido, mas os problemas da região permanecem. Tal título traz uma certa segurança ao cidadão, mas de nada adiante regularizar seja pela titulação de concessionário ou de proprietário, sem, contudo, ordenar, concedendo à população de baixa renda condições adequadas para se fazer cumprir o verdadeiro sentido da palavra “moradia”.
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